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"Não são necessários mais milhões no OE da Saúde. O que é preciso é saber gerir adequadamente"

13-05-2022 - Ana Mafalda Inácio

A ministra da Saúde, Marta Temido, vai estar nesta terça-feira a defender o OE 2022 na especialidade, na Comissão Parlamentar, para a área. Este é o ano em que o setor recebe a maior verba de sempre. São 13 578 milhões de euros para fazer face às fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). UM SNS cada vez mais depauperado em recursos humanos, o que é bem visível no facto de haver 1,3 milhões de utentes sem médico de família atribuído e na dificuldade de respostas a tempo e horas às necessidades dos mesmos, e na motivação dos profissionais. Mas será este orçamento suficiente? O que faz falta à Saúde em Portugal? É só mais dinheiro? O DN desafiou o especialista em economia da Saúde e professor da Nova School of Business and Economics, Pedro Pita Barros, para responder a estas e outras questões.

OE 2022 para a área da Saúde foi reforçado em 700 milhões de euros em relação ao ano anterior. É o maior orçamento para o setor com um total de 13 578 milhões de euros para a despesa. Estes 700 milhões poderão fazer a diferença no "robustecimento" do SNS, como pretende o Governo?

Como o SNS na última década tem apresentado sempre criação de dívidas e de pagamentos em atraso, o maior orçamento inicial permite pensar que talvez se consiga evitar essa derrapagem permanente. Não será para fazer muito mais, mas será para fazer melhor.

E de que forma se poderá fazer melhor?

O "robustecimento" do SNS não é apenas financeiro. Reforçar a gestão que é feita é igualmente importante, até porque se funcionar melhor acaba por precisar de menos euros. Posso dar duas ideias rápidas para explicar, e que até nem são particularmente novas: primeiro, dar novo ímpeto aos cuidados de saúde primários - que devem ter as pessoas e os equipamentos necessários para resolver a maior parte das situações de doença pouco grave. Isto implica não só dar novo ímpeto às USF modelo B (as que têm levado a maior satisfação quer dos cidadãos quer dos vários profissionais de saúde), como colocar novos equipamentos (que está previsto acontecer) e também ousar criar novos modelos de organização que permitam reduzir rapidamente o problema de uma parte substancial da população não ser seguida regularmente por um médico de família (ou por uma equipa de família). A segunda ideia é reforçar a autonomia de gestão dos hospitais, de forma seletiva - permitir maior autonomia aos que mostram capacidade de a usar bem, e não a todos, com regras claras de intervenção e alteração da gestão nos hospitais que ficam aquém do que é legítimo esperar deles. É preciso não esquecer que uma gestão menos boa acaba por se refletir na capacidade de dar resposta às necessidades dos cidadãos.

Mas este orçamento permitirá cortar o ciclo de dívida em que o SNS tem vivido nos últimos anos?

Em termos de valor, deverá permitir isso, mas é preciso explicar que estes primeiros três meses do ano, ainda sem orçamento de 2022, ainda não mostraram qualquer alteração. O valor dos pagamentos em atraso no final de 2021 foi o mais baixo desde que há esta informação publicamente disponível, cerca de 110 milhões de euros, e resultou de um reforço financeiro importante nessa altura. Entretanto, aumentou para 309 milhões de euros em três meses (março de 2022), ou seja, estes pagamentos em atraso cresceram 66 milhões de euros por mês em média, de janeiro a março de 2022.

A ministra já disse que este OE tem "caráter de urgência" para a recuperação da atividade assistencial e para a "satisfação no SNS". O montante atribuído é suficiente para concretizar estes objetivos?

Penso que sim. A recuperação da atividade assistencial já se iniciou em 2021. Não havendo surpresas em 2022, como uma nova vaga pandémica que volte a mobilizar toda a atenção, ou uma saída generalizada de profissionais de saúde do SNS, será possível continuar essa recuperação.

Os profissionais têm que ver no SNS uma aposta de longo prazo. O SNS tem que ver os profissionais de saúde como uma aposta de longo prazo.

Falou da saída de profissionais do SNS, a ministra reconheceu ser "um problema complexo". No OE está prevista uma despesa total de 5200 milhões de euros (mais 200 milhões do que no ano anterior). É muito dinheiro, mas será suficiente para resolver a a contratação e fixação de profissionais?

O problema dos profissionais não é apenas remuneratório. O Governo até tem lançado concursos de recrutamento, em que contrata alguns, mas não todos os profissionais que pretende. Só que depois, com frequência, temos mais saídas. Há uma incapacidade do SNS ser atrativo para o desenvolvimento profissional e conciliação com vida pessoal, além da parte remuneratório. Os profissionais têm que ver no SNS uma aposta de longo prazo. O SNS tem que ver os profissionais de saúde como uma aposta de longo prazo.

O regime de dedicação plena, que é uma das medidas incluídas neste orçamento, é a ferramenta que pode estancar a sangria do SNS?

Não será suficiente. Se for visto apenas como uma forma de limitar o trabalho de profissionais do SNS em entidades privadas, poderá haver surpresas com as escolhas que venham a ser feitas. Se for visto numa ótica de criar formas mais flexíveis na contratação de profissionais de saúde, será provavelmente menos atrativa do que um leque mais amplo de possibilidades colocado à disposição dos profissionais de saúde. Há uma diferença entre surgir como instrumento de controlo (a primeira possibilidade) ou como instrumento de flexibilidade (a segunda visão).

Outras prioridades definidas no OE são: dar maior capacidade às unidades de saúde de cuidados primários para aumentar o número de consultas em algumas áreas, nomeadamente na da saúde mental, aumentar o número de rastreios na área oncológica e o número de exames de diagnóstico e criar mais unidades de saúde familiar. Também serão exequíveis?

Cabe ao Ministério da Saúde fazer com que seja exequível. Como não existe um instrumento chamado "Orçamento do SNS", onde seja descrito onde serão aplicadas as verbas que estão na linha do Orçamento do Estado que é a transferência para o SNS, não é possível responder de forma clara. É certo que a criação de mais unidades de saúde familiar, de modelo B, irá requerer mais verbas, mas antecipo que seja menos do que tem sido a derrapagem que resulta nos pagamentos em atraso. Preocupa-me mais a capacidade de decisão e de execução por parte dos vários organismos do SNS que têm a obrigação de "fazer acontecer" do que as verbas que o SNS irá absorver. Ou seja, não considero que sejam necessários mais milhões no OE da Saúde, o que é preciso é saber gerir adequadamente.

"Preocupa-me mais a capacidade de decisão e de execução por parte dos vários organismos do SNS que têm a obrigação de "fazer acontecer" do que as verbas que o SNS irá absorver".

Fala-se muito em transformação digital, é uma prioridade do Governo e a pandemia veio demonstrar que, por exemplo, os cuidados à distância funcionam. Considera que medidas como a hospitalização domiciliária, as teleconsultas, agendamento online e mais referenciação pela Linha SNS 24 poderão tornar o SNS mais eficiente e aliviar os seus custos?

Penso que sim, e não apenas numa visão de aliviar custos. São instrumentos que permitem também uma melhor assistência às pessoas, e até com melhores resultados para elas. O aliviar de custos virá como acréscimo. É uma forma de se pode fazer melhor e com menos custos.

Este OE tem outra inovação, a criação de uma Direção Executiva para o SNS, medida que integra o novo Estatuto do SNS. A sua aplicação terá mais custos para o SNS, mas será a forma correta de mudar a gestão no SNS?

Não acredito. Se a Direção Executiva para o SNS seguir o formato que foi divulgado no Outono de 2021, com a colocação em consulta pública de uma proposta, só virá aumentar a confusão de responsabilidades dentro do SNS. Servirá sobretudo de "escudo de defesa" para quem estiver à frente do Ministério da Saúde. Não terá capacidade efetiva de gestão e coordenação dentro do SNS. Se houver a capacidade de optar por um modelo de Direção Executiva diferente, com real poder de decisão, e capacidade de execução, é certamente uma boa possibilidade de melhorar a gestão do SNS. Receio que venha a ser uma boa ideia com uma má aplicação. Uma alternativa para essa mesma ideia foi apresentada pelo Health Cluster Portugal - Instituto SNS, Entidade Gestora do Serviço Nacional de Saúde. Devemos, no mínimo, fazer uma discussão sérias das várias possibilidades de concretização desta ideia.

As taxas moderadoras que serão agora eliminadas não têm grande expressão quantitativa, pelo que não vão alterar nada de essencial.

O fim das taxas moderadoras para todos os atos à exceção de duas situações, como idas às urgências sem referenciação, é uma medida com impacto positivo?

As taxas moderadoras que serão agora eliminadas não têm grande expressão quantitativa, pelo que não vão alterar nada de essencial. Ainda antes desta eliminação de taxas moderadoras, como a maioria da população tinha isenção por um dos vários motivos possíveis, o efeito de moderação ou barreira ao uso desnecessário era muito diluído. Sinal disso mesmo é o pouco peso que as taxas moderadoras têm nas despesas que os utentes suportam quando contactam os serviços de saúde, pelo que este passo adicional tem pouca expressão económica e no uso dos serviços, sendo mais um sinal político.

Por fim, como economista e especialista na área da Saúde, há algo que considere que faz falta neste orçamento? As propostas já apresentadas pela oposição poderão melhorá-lo?

Como disse, não são mais milhões de euros que fazem falta à Saúde, mas sim uma capacidade das unidades do SNS gerirem de forma adequada, de conseguirem dar o apoio às populações que é devido, da melhor forma possível. Isto significa que têm de ter uma gestão que assegure a permanência dos profissionais de saúde, que existam recursos adequados ao que as populações que servem precisam. As propostas da oposição, tanto quanto conseguir perceber, não têm soluções claras para conseguir atribuir a cada residente um médico de família que o siga, para o estancar do processo de acumulação de pagamentos em atraso, e para assegurar o recrutamento e retenção dos profissionais de saúde que são necessários. Claro que vão dizer que tudo isto é importante, mas como fazer, normalmente, não é descrito de forma a que possa ser aplicado.

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Fonte: DN.pt

 

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