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São mesmo necessárias mais medidas para controlar a pandemia? Especialistas dividem-se

19-11-2021 - Daniela Carmo e Filipa Almeida Mendes

“Quanto mais tarde actuarmos, maiores serão os riscos”, diz o primeiro-ministro, acrescentando que é preciso avaliar quais são “as medidas adequadas e estritamente necessárias”. O PÚBLICO ouviu alguns especialistas sobre o tema.

O Governo vai ouvir novamente os peritos sobre a situação epidemiológica em Portugal esta sexta-feira. A reunião no Infarmed foi convocada numa altura em que Portugal regista um crescimento da incidência e da transmissão da covid-19. Ao que o PÚBLICO apurou, os especialistas dividem-se quanto à necessidade de apertar medidas de contenção ao SARS-CoV-2: se para uns se justifica que haja, neste momento, um recuo para medidas mais restritivas, para outros jogar essa carta é uma atitude demasiado precoce. Em causa está se deve ou não existir um regresso às restrições que já tiveram lugar em Portugal no contexto pandémico, num momento em que o país tem já uma taxa de vacinação contra a covid-19 superior a 86%.

Raquel Duarte, da Administração Regional de Saúde do ​Norte e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), uma das especialistas convidadas pelo Governo para pensar o plano de desconfinamento, defende que Portugal atravessa “uma quinta vaga. “A repercussão e as consequências são menores, no entanto, este aumento exponencial de casos deve ser travado porque mesmo com esta almofada protectora da vacina este aumento exponencial, se não for travado, pode vir a traduzir um peso no aumento também das formas graves da doença, que pode colocar em causa a nossa capacidade de resposta.”

Por isso, a aceleração na vacinação com doses de reforço da vacina contra a covid-19 das populações mais vulneráveis, como é o caso dos maiores de 65 anos, é “um passo fundamental”. “A vacinação destes grupos tem de ser rápida e as pessoas devem aderir fortemente a esta vacinação para ficarem protegidas das formas graves da doença. Em simultâneo, é preciso reduzir a transmissão”, frisou a especialista, em declarações à SIC Notícias esta terça-feira. De acordo com a DGS, Portugal já administrou mais de meio milhão de doses de reforço e adicionais da vacina contra a covid-19.

É nesse campo, de controlo da propagação do vírus, que as medidas de protecção individual ganham especial importância, uma vez que, por si só, a vacinação não é suficiente e é necessário combiná-la com medidas não-farmacológicas, que, como a perita defende, “deviam fazer parte do quotidiano” dos portugueses. “É preciso que na comunidade haja uma redução na transmissão através das medidas que nós já conhecemos: distanciamento, utilização da máscara, higienização das mãos, evitar ir ter com os nossos colegas e familiares tendo sintomas respiratórios, a testagem mais frequente particularmente quando se vai ter algum comportamento de maior proximidade com outras pessoas. Não precisamos de estar à espera de nenhuma decisão ou orientação.”

Receita para o que fazer em caso de agravamento

De acordo com um dos peritos que prestou declarações ao PÚBLICO, que pediu para não ser identificado, o plano a apresentar na reunião desta sexta-feira está em linha com o que foi apresentado em Setembro e que dava já conta das medidas a tomar perante o agravamento dos indicadores epidemiológicos. “Na última reunião no Infarmed, já se estabelecia a receita para o que fazer em caso de agravamento. Há uma série de medidas, como o uso da máscara em espaços fechados, a promoção do teletrabalho e não necessariamente a obrigatoriedade, a ventilação dos espaços e eventualmente voltar a definir lotações para os espaços são alguns exemplos”, explica.

“Existem algumas medidas que, não sendo demasiado restritivas, podem pelo menos ajudar a conter esta tendência actual que, ao dia de hoje, se configura num crescimento exponencial e descontrolado em termos de aumento de casos.” Os especialistas já o referiam em Setembro e insistem novamente: “a estratégia e as medidas têm que ser proporcionais à circunstância actual”.

“É sempre indesejável haver recuos, mas nalgumas circunstâncias justificam-se. Provavelmente nesta circunstância justifica-se”, sustenta o perito ouvido pelo PÚBLICO. Para a mesma fonte, “devem-se tentar implementar medidas tão rápido quanto possível e se, por acaso, elas se revelarem insuficientes, talvez avançar mais um patamar de medidas”. 

Ainda esta terça-feira, o primeiro-ministro, António Costa, disse que “não é previsível que se tenham de tomar outra vez medidas com a dimensão” que já tiveram “no passado”, graças à vacinação contra a covid-19, mas que não se podem “ignorar os sinais”. “Quanto mais tarde actuarmos, maiores serão os riscos”, concluiu, acrescentando que é preciso avaliar quais são “as medidas adequadas e estritamente necessárias”. 

O perito ouvido pelo PÚBLICO não deixa de notar que “no último mês e meio se tem assistido, gradualmente, a um aumento da transmissibilidade”. “A pergunta que se coloca é onde vamos estar daqui a um mês ou dois porque ao ritmo a que isto vai, claramente que vamos chegar ao Natal com mais casos do que no ano passado. Aliás, neste momento isso já é difícil de se evitar. No final da próxima semana vamos aproximar-nos dos 2000 casos diários”, justifica.

Uma vez consultado o plano apresentado em Setembro por Raquel Duarte, entre as “medidas gerais que devem estar sempre em vigor” e perante um agravamento dos indicadores estão:

  • “Ventilação dos espaços”;
  • “Utilização do certificado digital com teste recente nos espaços públicos (quando apropriado e de acordo com o que for definido pela Direcção-Geral da Saúde - DGS)”;
  • “Auto-avaliação de risco e respectiva adopção de medidas de protecção”;
  • “Promoção de actividades em exterior ou por via remota, sempre que possível”;
  • “Cumprimento do distanciamento físico, com definição do número máximo de pessoas por metro quadrado”;
  • “Utilização obrigatória de máscara em ambientes fechados e em eventos públicos”;
  • “Evicção de todas as situações não controladas de aglomeração populacional”. 

O problema que se coloca actualmente é que “apesar das consequências não serem de todo comparáveis com as do ano passado, isso não significa que não haja consequências”, como refere o perito ouvido pelo PÚBLICO. “Vai haver pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde em todo o caso porque vamos ter, na mesma, internamentos de enfermaria e a saúde pública a ter que lidar com milhares de inquéritos epidemiológicos diários. Há aqui um gasto significativo de recursos.” 

São mesmo necessárias mais medidas?

Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT), vê como certa a imposição de medidas restritivas. “Se deve acontecer? Tenho dúvidas”, questiona. “Para já e à luz daquilo que sabemos, não deve acontecer porque não podemos fazer uma campanha de vacinação que foi um sucesso e advogar a eficácia das vacinas para reduzir a doença para agora estarmos a tentar reduzir a circulação do vírus sem evidência, para já, que os cuidados de saúde vão ficar numa situação crítica em virtude deste aumento dos contágios.”

O especialista defende, por isso, que actualmente não se deve olhar tanto para a incidência que tem vindo a aumentar, mas antes para o reflexo desse aumento na gravidade da doença e a subsequente pressão nos cuidados de saúde. "Nos países com níveis de vacinação próximos dos nossos não há uma evidência clara de que os internamentos e os óbitos cresçam exponencialmente. Portanto, tomar medidas preventivas não faz sentido enquanto não tivermos a evidência de que os internamentos e os óbitos vão aumentar exponencialmente com o aumento dos contágios. Tem de se fazer a monitorização da doença e não do vírus”, assevera.

E insiste: “nós que temos uma vacinação fantástica estamos a fazer a discussão de medidas não-farmacológicas iguais aos países que têm níveis de vacinação mais baixos. Isto não faz sentido”.

Contudo, Tiago Correia vê com bons olhos algumas medidas. “Se fosse fácil do ponto de vista jurídico”, o especialista em saúde internacional “incentivaria sempre que possível o teletrabalho”, assim como a colocação de máscaras em espaços fechados caso se assista a um aumento da pressão no sistema de saúde. Mas, na sua opinião, os confinamentos e alterar o normal funcionamento das escolas devem estar fora de questão.

Para Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), é necessária uma “avaliação multissectorial da sociedade portuguesa” para determinar a necessidade de recuar nas medidas de contenção dos contágios. O epidemiologista começa por lembrar que a linha vermelha de 255 camas ocupadas em unidades de cuidados intensivos não pode ser atingida. De acordo com o boletim epidemiológico da DGS desta terça-feira, referente à totalidade do dia anterior, estão 80 doentes internados naquelas unidades. 

“Eu acho que para evitar isto tem de se começar pelas medidas que evitam a propagação do vírus sem que haja grande interferência na nossa vivência social normal do dia-a-dia e sem que haja grande perturbação dos vários sectores da economia”, defende o epidemiologista, que também enumera medidas como “limitações de lotação em espaços”, “obrigatoriedade da utilização de máscara em espaços fechados onde não existe ventilação”, “o teletrabalho quando ele é possível e não interfere com o bom funcionamento da empresa ou dos sectores de serviços em que ele é implementado”, assim como “a obrigatoriedade de apresentação do certificado digital para entrar em certos recintos”. 

Manuel Carmo Gomes entende que “as medidas mais duras devem ser adoptadas quando se perceber que o impacto hospitalar é de tal forma que leva ao atingir daquela linha vermelha”. “Para já, ainda não estamos nessa situação.”

No entanto, alerta, “se o número de internados em enfermaria ultrapassar limites muito altos, esse limite em unidades de cuidados intensivos também será ultrapassado”, o que poderá acontecer se “o número de infecções diárias atingir valores muito elevados”. É, por isso, essencial analisar a velocidade a que os internamentos estão a aumentar.

Monitorização em permanência

O presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, defende que “a situação do ponto de vista epidemiológico está a agravar-se”, mas não tem tido um “impacto ainda muito significativo” na procura de cuidados de saúde e na mortalidade.

“Penso que é prematuro estar a pensar já em medidas restritivas quando ainda temos muito que podemos fazer”, afirma Ricardo Mexia, destacando a importância do reforço da vacinação nas pessoas mais vulneráveis e que foram vacinadas há mais tempo e a vacinação daqueles que ainda não foram vacinados contra a covid-19. Será também essencial, na sua opinião, “reforçar o papel dos testes”, particularmente em contextos com particular risco de disseminação.

À lista juntam-se medidas como a “utilização da máscara sempre que estamos com maior proximidade ou num espaço fechado; reduzir o número de pessoas nos espaços fechados; melhorar a ventilação dos espaços; e ter em conta as necessidades de higienização das mãos”. Quanto ao teletrabalho “pode ter vantagens nos diversos eixos e pode ser incentivado”.

O médico de saúde pública considera também essencial acelerar o reforço da vacinação contra a covid-19, sendo “importante mobilizar recursos” — que, aliás, já foram accionados anteriormente — e “comunicar de forma mais assertiva” com a população.

Carmo Gomes concorda que é “altamente desejável” acelerar a administração da terceira dose. “Se conseguirmos evitar que os maiores de 65 anos adoeçam gravemente, dando-lhes o reforço da vacina, o impacto nos hospitais será muito inferior”, diz. Tiago Correia é da mesma opinião, embora acredite que falta actualmente “uma liderança” neste processo.

“Se, eventualmente, a situação tiver uma evolução negativa aí, sim, podemos ter de implementar algumas das medidas que já existiram, nomeadamente a redução de algumas actividades”, conclui Ricardo Mexia. A situação actual exige, por isso, uma “monitorização em permanência” para que, caso seja necessário, haja a informação e meios necessários para dar resposta rapidamente.

Fonte: Publico.pt

 

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